quarta-feira, 20 de abril de 2011

MEMÓRIAS DA TRAIÇÃO

Em 30 de setembro de 1938 – onze meses antes do início da Segunda Guerra Mundial – a França e a Inglaterra “amarelaram” diante da arrogância de Hitler, e concordaram com a ocupação do território dos Sudetos, que pertencia à Tcheco-Eslováquia. Há duas explicações para que Neville Chamberlain e Édouard Daladier, primeiros ministros da Inglaterra e da França, tenham capitulado. Uma delas é a de que, assim fazendo, as duas potências teriam tempo a fim de preparar-se para o inevitável confronto com o nazismo. Essa explicação, sendo pragmática, justifica o pacto que Stalin estabeleceu, em agosto do ano seguinte, com Hitler. Stalin, não confiando no outro, teria autorizado a Molotov firmar o acordo, a fim de ganhar tempo para a mobilização de homens e recursos necessários ao conflito.

Se houve astúcia, salva-se um pouco da cara dos dois estadistas, por suas concessões crescentes, durante as conversações com Hitler, em Godesberg e em seu refúgio de Berchtesgaden e, mais tarde, em Munique. Ali, depois de ter aceitado a realização de um plebiscito na região dos Sudetos, Hitler voltou atrás e endureceu o jogo. Mussolini – que todos sabiam ser seu incondicional aliado – apresentou um plano de paz, pelo qual Hitler tinha tudo o que queria: a ocupação imediata do território em disputa, com a expulsão dos tchecos que o habitavam, e a plena soberania alemã na área.

Como se soube depois, o “Plano Mussolini” fora redigido pelos diplomatas nazistas. Hitler, ao apoderar-se, como se apoderou logo, da indústria bélica dos tchecos, reforçou a Wehrmacht para o seu avanço impetuoso sobre a Europa, no início de setembro do ano seguinte. O primeiro dos ensinamentos de Munique é o de que, nas relações internacionais, a confiança deve ser sempre relativa. Os tchecos contavam com o compromisso anglo-britânico de os proteger, compromisso que vinha desde 1918, com a vitória aliada contra os alemães na Primeira Guerra Mundial. Quando os franceses e ingleses lhes comunicaram o ultimato de Hitler, disseram-lhes que, se quisessem, resistissem com suas próprias forças. Era pedir a Davi que se desfizesse até mesmo de sua funda, e enfrentasse Golias com as mãos nuas. Os tchecos foram obrigados a submeter-se.

A segunda lição de Munique é a de que não há concessões que possam apaziguar os agressores. Os lobos não se contentam com um só cordeiro. Se não são escorraçados ou abatidos a tempo, devorarão todos os rebanhos em seu caminho.

Hitler já recuperara o Sarre, e anexara a Áustria meses antes, o que alterava o mapa geopolítico continental estabelecido em Versailles. Todos sabiam que o projeto – claramente exposto em seus pronunciamentos e nos papéis alemães – era o da conquista de todo o espaço vital a que tinham “direito” como povo de senhores, em razão da presumida superioridade racial.

Ao chegar a Londres, naquele dia abjeto, Chamberlain disse, orgulhoso, que a paz estava salva. Paz, ele disse, “com honra”: mas a honra foi a dos resistentes. Pelo adiamento do conflito por alguns meses, os ingleses e franceses renunciaram à própria dignidade e entregaram os tchecos, no primeiro ato da tragédia sangrenta, em qe pereceram mais de 40 milhões de seres humanos.

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