sexta-feira, 6 de maio de 2011

JADER E O JORNALISMO

A morte, há dias, de Jáder de Oliveira me leva a meditar sobre a brevidade da vida, o valor da amizade e a natureza do ofício de jornalista. O jornalista é um homem comum, que consegue ver o mundo e escrever sobre seu dia-a-dia. Não é escritor, na identificação que a sociedade dá ao homem de letras. Não é especialista em nada; flutua sobre os assuntos, como uma libélula recenseia as lagunas de águas estanhadas, com sua vegetação estranha. Sua notoriedade é efêmera. Mas, de alguma forma, os bons jornalistas têm a sua atuação gravada no tempo, e queiram ou não queiram, ao influir sobre o cotidiano, influem na História.

Jáder e eu fomos, no início dos anos 50 – mais precisamente em 1952 – os dois mais jovens integrantes da redação do “Diário de Minas”, que se editava em Belo Horizonte. O jornal pertencia a Otacílio Negrão de Lima, irmão de Francisco Negrão de Lima, embaixador, ministro da Justiça de Getúlio e futuro governador da Guanabara. Era um matutino ligado ao PSD, logo, a Juscelino. Jáder era um adolescente de 17 anos, e eu mal passara dos 19. Como éramos os mais jovens, passamos a ser, necessariamente, os mais próximos. Recordo-me que a sua juventude era tão ostensiva, que José Calazans Filho (que tinha 34 anos apenas, mas, para nós, era um velho) costumava aborrecê-lo, perguntando sempre a sua idade. Jáder, respeitosamente, respondia corretamente e Calazans resmungava um forte palavrão, depois do intróito canalha: “vai ser novo assim...”

Uma semana antes de sua morte, conversamos longamente pelo telefone. Ele, com a dignidade de sempre, e bom humor, relembrava os nossos tempos jovens, falava dos companheiros que já se haviam ido, como se ainda estivessem vivos.

Jáder era repórter esportivo então. Sempre escreveu com elegância e correção. Ao mesmo tempo se dedicava à música popular brasileira e ao rádio. Bem dotado para as línguas estrangeiras, cantava baixinho as canções norte-americanas de Jerome Kern e Oscar Hammerstein, e, mediante elas, aprendeu rapidamente o inglês. Em Londres, ao mesmo tempo em que trabalhava na BBC, foi correspondente da imprensa brasileira, trabalhando em Veja, em sua primeira fase, e em outros jornais. Sempre que podíamos, nos víamos. Visitou-me em Bonn, onde morei, e estive muitas vezes com ele e Nely, a dedicada esposa que ele buscou na Argentina, em Londres. Jáder vinha ao Brasil pelo menos uma vez por ano. Seus dois maiores amigos, bem mais velhos, aos quais ele tinha um afeto de filho – ele que ficara órfão de pai muito cedo – eram os advogados José Cabral e José Ramos Filho. Com ambos – atleticanos lendários - conversava sempre sobre futebol. E com José Ramos, a música popular brasileira era o tema de todos os encontros. Passavam horas lembrando os grandes compositores do passado, cantarolando seus sucessos. Ele sabia, de cor, todas as composições de Noel Rosa, e conhecia as circunstâncias da criação de cada uma delas.

Na última vez que visitou Belo Horizonte, já não os encontrou: Cabral morreu aos 98 anos e José Ramos era pouco mais moço quando se foi.

Jáder já estava enfermo e tinha a consciência de que dificilmente venceria a doença. Mas nada derrubava o seu bom humor. “Fiz tudo o que podia fazer”, me disse em nossa última conversa. “Agora, é esperar”. E, em seguida, lembrou um episódio de nossa mocidade, fustigando certo colega pedante que tivemos, e seu riso intenso foi cortado pela tosse. “O canalha está se vingando”, voltou a rir. O médico interrompeu a nossa conversa, explicando-me que ele estava cansado.

Quando penso em alguns companheiros de jornal, e não foram poucos, construídos com a dignidade, a modéstia e a competência de Jáder de Oliveira, sinto que vale a pena o nosso ofício.

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