Todos os historiadores deveriam partir da advertência de Spinoza e buscar entender a realidade, antes de exercer a lisonja ou o ódio. Há oitenta anos, os paulistas se levantavam contra o governo Vargas, sob a bandeira da constitucionalização do país. Ora, o pretexto era frágil, uma vez que, em 14 de maio – três meses antes dessa insurreição armada – o governo provisório emitira o Decreto 21.402, nomeando comissão de juristas, encarregada de elaborar anteprojeto de Constituição e marcando a data de 3 de maio do ano seguinte para a eleição dos delegados constituintes. O prazo de um ano era razoável, porque os membros da comissão necessitavam de tempo hábil para discutir a nova ordem jurídica, depois da ruptura da Revolução de 30.
Não era bem a falta de uma Constituição que estimulara São Paulo à rebelião, que vinha sendo preparada desde a vitória militar da Revolução Liberal, em 3 de outubro de 1930. O que açulava os paulistas era a desejada revanche contra a sua derrota. As elites de São Paulo, todas vindas das oligarquias rurais, não podiam engolir a capitulação militar de Washington Luís diante de tropas mineiras, nordestinas e gaúchas. Os altos quatrocentões, apoiados por vitoriosos imigrantes, que também viviam da exportação de café, sentiam-se como junkers prussianos, acossados pela ralé de bárbaros. Apesar do relativo desenvolvimento da indústria manufatureira, promovido pelos imigrantes, as oligarquias rurais não queriam o desenvolvimento industrial do país, que as deslocaria de seu poder secular.
O sentimento de superioridade, que levara Washington Luís a insistir na continuidade de São Paulo no comando da República, induzira muitos dos chefes do movimento a pensar na independência do Estado, se sua hegemonia econômica não se confirmasse no comando político do país. Essa era uma das razões, mas havia outras, e mais importantes.
A ruptura da República Velha não fora simples mudança de homens ou de partidos no poder, e muito menos coligação de estados pobres, ressentidos contra a pujança econômica de São Paulo. Getúlio, na plataforma da Aliança Liberal, lida em janeiro de 1930, na Esplanada do Castelo, fora claro. O Brasil não poderia continuar um país vazio, só ocupado, desde o descobrimento, no litoral e em escassas manchas humanas no resto do território. A Guerra do Paraguai já nos alertara para a necessidade do intensivo povoamento do Centro-Oeste. O Brasil precisava sair do casulo conservador e dar empregos e vida digna a seu povo.
O confronto se fazia entre o pensamento renovador e a reação conservadora. Tanto é assim que, em Minas, o partido dos aliados das oligarquias paulistas se identificava, sem embuços, como sendo a Concentração Conservadora. Nomes importantes de Minas, conduzidos por motivos diferentes, estiveram com São Paulo, não só em 30, como em 32, entre outros Artur Bernardes e Fernando Mello Viana. E no Rio Grande do Sul, também. No caso, mesclavam-se os interesses pessoais e as questões políticas internas.
Tanto foi assim que os primeiros tiros da Revolução de 30 foram disparados em 6 de fevereiro de 1930,
Getúlio pretendia a industrialização do país e justiça social para com os trabalhadores. O mundo começava a mudar, depois da Revolução de Outubro, na Rússia, e os desafios da Depressão iniciada meses antes, com a queda da Bolsa
Infelizmente, ao que parece, os oligarcas paulistas – e seus representantes na política atual – não entenderam até hoje as razões dos revolucionários de 30. Continuam com a mesma posição que tiveram em julho de 1932. O ódio contra Getúlio e o seu governo - que, pela primeira vez via o povo como protagonista da História - permanece até hoje. Não há,
Não fazemos a apologia de 1932, nem lhe temos ódio, mas procuramos entender o movimento dos revolucionários paulistas como um gesto que, tendo sido de arrogância contra o Brasil (não nos esqueçamos de seu lema, non dvcor, dvco), foi importante para o desenvolvimento político e econômico do nosso país. Sem seu movimento, não teríamos a consolidação revolucionária do governo provisório, nem o projeto nacional de Vargas, que promoveu a industrialização do país, a participação do Brasil na Guerra e o fim do mito conformista de que deveríamos ser sempre um país essencialmente agrícola, eterno exportador de café e açúcar.
Ora, São Paulo foi o Estado mais beneficiado com a política industrial de Vargas. Como disse Delfim Neto ao jornalista Leonardo Attuch, São Paulo não perdoa a Getúlio o bem que ele fez a São Paulo.
E como a História é feita pelos homens e para os homens, não teríamos, sem a guerra paulista, tido a carreira política de Juscelino, que, sucedendo a Vargas, deu o grande salto para a afirmação do Brasil no mundo. Como se sabe, foi combatendo os paulistas, no Túnel da Mantiqueira, que o capitão médico se tornou político.
E tampouco nos devemos esquecer que os paulistas, derrotados em 32, afinal, ganharam, em 64, quando muitos de seus empresários, reunidos no IEPES, aliaram-se aos militares para derrubar Jango. Eles se mantiveram no poder, diretamente ou pelos seus delegados, até a restauração democrática de 1985.
Quando a repressão se exacerbou
O povo paulista começa a desvincular-se das elites, e a autonomia de sua ação política, na solidariedade com os brasileiros de todas as regiões, é a argamassa necessária à autêntica coesão nacional.