sábado, 2 de julho de 2011

ALEXANDRE EM BRONZE

À beira de uma guerra civil, provocada pela pressão dos banqueiros europeus, mediante seus governos, a Grécia se agarra a um mito perdido, o de Alexandre, o Grande. Em nome do herói, litiga contra a ex-República da Macedônia, que pertencia à Iugoslávia e é hoje estado sob precária independência nos Bálcãs instáveis. Os gregos argumentam que o nome de Macedônia está ligado à Grécia Antiga, porque fazia parte do complexo geográfico habitado pelos povos gregos. Os macedônios eram gregos, embora não atenienses, como gregos eram também os espartanos. A Guerra do Peloponeso foi, assim, um conflito interno do ponto de vista nacional, embora fosse entre as cidades-estado do arquipélago. No segundo momento Filipe da Macedônia unificou a Grécia sob seu domínio e o legou a Alexandre, construtor de um dos maiores impérios da História.

O problema é que os gregos e os macedônios de hoje não podem reivindicar o heroísmo de Alexandre como legado nacional. Atenienses e espartanos, beócios e cretenses, tebanos e macedônios daqueles tempos fortes já não existem. Depois da vitória de Alexandre, o sistema ateniense se dissolveu no império do macedônio que, por sua vez, se repartiu em volta do Mediterrâneo, antes de perecer sob a força das legiões romanas. A Grécia deixou de existir como uma identidade política desde aquele tempo fascinante. Venezianos e romanos e, mais tarde, os turcos, se fizeram senhores do arquipélago. A cultura grega só sobreviveu, porque emigrou para Roma e se tornou, com a expansão do domínio republicano e, em seguida, imperial, o alicerce da civilização a que chamamos ocidental.

Alexandre foi um relâmpago na história, e um grego autêntico, assim como fora seu pai, Filipe. A lenda lhe atribui paternidade divina. Aos grandes homens, de grandeza titânica, atribuía-se essa origem, porque superavam, na força e na inteligência, a fragilidade dos homens comuns. Um relâmpago teria atingido o ventre de Olímpia, mulher de Filipe e, nesse instante de estrondo e fogo, o futuro guerreiro foi concebido.

Em apenas 13 anos, Alexandre conquistou meio mundo conhecido. Mas, como sabemos, a sua glória não estava apenas nos combates e na inteligência militar. Ele foi o primeiro explorador, no sentido clássico, da História, ao conduzir, em seu séqüito, cientistas e pensadores. Nesse sentido, ele levou o Mediterrâneo ao Ganges, e reabasteceu o Mediterrâneo da sabedoria oriental.

Sua cidadania grega estava, acima de tudo, nas lições recebidas de Aristóteles, seu preceptor durante os três anos que o separam das primeiras ações militares – dos 13 aos 16 anos.

Os novos macedônios, ex-iugoslavos estão levantando, em sua capital, Skopje, uma estátua de Alexandre,em bronze, com 22 metros de altura (o Cristo Redentor, do Rio, tem 38 metros). As peças, fundidas na Itália, estão sendo montadas. Podemos considerar que a nova Macedônia, sendo um país independente, tem o direito de erigir qualquer estátua, de Alexandre ou de César, de Tamerlã ou Átila, se assim decidir o seu povo. O problema é que o país, com apenas dois milhões de habitantes, é um dos mais miseráveis da Europa. Segundo informa El Pais, o salário médio é inferior a 300 euros ao mês. Só o monumento a Alexandre (a estátua e alegorias menores também em bronze) custará 10 milhões de euros.

As duas repúblicas não têm razões para o orgulho em seu presente. A Grécia enfrenta uma das situações mais terríveis de sua história moderna, depois que se livrou do jugo turco, e teve que se valer de uma falsa monarquia, ao valer-se de príncipes europeus – e exportar alguns de seus descendentes a outros países, como o consorte da Rainha da Inglaterra, Philippos Schleswig-Holstein Soendenburg-Glucksburg, da Grécia e Dinamarca. Ou a princesa Sofia da Grécia, também descendente de príncipes dinamarqueses e holandeses, que se tornou, em 1975, por ser mulher de Juan Carlos, Rainha da Espanha.

É natural que a Grécia de Papandrou, acossada pelas exigências do neoliberalismo, que dificilmente cumprirá, sem que haja repressões sangrentas contra o povo, desempregado e aflito, reclame de um glorioso passado que os velhos e autênticos gregos viveram em seu território. É natural que exijam, para o seu patrimônio, a figura titânica de Alexandre e o nome da região grega que os habitantes da pequena região balcânica se atribuíram. Sem passado, os novos macedônios procuram arranjar um, e fustigados pela miséria, encomendaram em Florença um herói em bronze, na esperança de que esse estrangeiro no tempo possa dar-lhes um futuro.

Enquanto isso, os grandes do mundo, fazendo seus cálculos, sorriem. Os banqueiros, como se sabe, não choram.